Apenas 0,5% dos professores de educação infantil em BH são homens
São 12 homens entre 2.247 mulheresl, e
eles ainda têm de lutar contra o preconceito e as dificuldades de
aceitação de pais e colegas
Bendito é o fruto entre as mulheres, ou melhor,
entre as professoras. Nas salas de aula da educação infantil, homens são
minoria e destoam num universo tipicamente feminino. Entre os 2.259
funcionários da rede municipal de Belo Horizonte que lidam com crianças
com menos de 6 anos de idade, eles são apenas 12, ou seja, 0,5%. Sandro
Vinícius Sales dos Santos e Leandro de Jesus Gomes, ambos de 32 anos,
fazem parte desse seleto time que não se intimida diante da tarefa de
trocar fraldas, dar banho e mamadeira, ninar até o sono chegar, descer
no escorregador durante as brincadeiras e ensinar as primeiras letras.
Com
125 quilos distribuídos em 1,84 metro de altura, barba por fazer e
“cara de bravo” – como ele mesmo se define –, Sandro abre um sorriso
carinhoso sempre que entra no berçário da Unidade Municipal de Educação
Infantil (Umei) Jatobá IV, na Região do Barreiro, onde trabalha com
crianças com menos de 3 anos. Basta colocar os pés na salinha de
repouso, espaço reservado para o sono de oito meninos e meninas, para
que ele fareje algo estranho no ar: “Tem alguém de cocô aí”. É hora de
tirar o bebê do colchonete, levá-lo para o berço e, com a destreza de
quem tem experiência de sobra no assunto, limpá-lo com um lenço
umedecido e colocar uma fralda novinha em folha.
“Sou pai, sempre
cuidei da minha filha e me preocupo com a educação dela. Percebo que é
difícil romper a barreira do senso comum de que cuidar de criança é
tarefa feminina. As pessoas tendem a aceitar melhor a presença do homem
na educação física e em atividades de apoio, mas ainda há preconceito
quando se trata de dar banho, trocar fralda e alimentar os alunos.
Passei num concurso público e, mesmo assim, tive que provar minha
capacidade para exercer a profissão. Também vivi uma vigilância velada
dos pais e dos colegas de trabalho e tive minha sexualidade colocada em
xeque”, conta Sandro, hoje no segundo casamento e pai de uma menina de
10 anos.
Experiências como a de Sandro motivaram uma dissertação
no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC Minas para
responder uma pergunta básica: há lugar para o homem na educação
infantil? Durante mais de dois anos, o pesquisador Joaquim Ramos
entrevistou 47 pessoas e fez uma radiografia desse setor de ensino
dentro nas instituições municipais de Belo Horizonte. A conclusão é de
que, apesar da abertura do mercado para professores do sexo masculino na
última década e de uma tênue mudança cultural para aceitação desses
profissionais, tabus e preconceitos ainda são realidade nas salas de
aula.
MUDANÇAS Segundo Joaquim Ramos, a
entrada dos homens na educação infantil ganhou força a partir de 2004,
com a realização de concursos públicos na capital para preencher vagas
em Umeis e em escolas municipais de nível fundamental com turmas
infantis. Mas o início das mudanças remete à Constituição federal de
1988 e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996. “Essas
legislações definiram de forma clara a responsabilidade do Estado com a
educação infantil, o que tem pressionado o poder público a ampliar o
atendimento e a fazer concursos públicos. Por meio dos concursos, os
professores homens têm ocupado, legitimamente, os cargos de docentes”,
explica.
No entanto, Joaquim ressalta que, no Brasil o cuidado e a
educação de crianças pequenas em creches e escolas costuma ocorrer,
culturalmente, como uma extensão do ambiente doméstico, marcado pela
lógica da relação de mãe e filho. Por isso, é comum os homens assumirem o
papel de educador infantil na rede pública de BH e encontrarem
resistência por parte de colegas de trabalho, da direção da instituição e
também das famílias das crianças, que demonstram estranhamento à
presença masculina em espaços até então com predominância de mulheres.
Segundo
a professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC Minas e
orientadora da pesquisa, Maria do Carmo Xavier, essa resistência
cultural faz com que os homens passem por um “período comprobatório” nas
Umeis. “Há um julgamento moral do comportamento do professor, que
aparece como uma ameaça às crianças na concepção da sexualidade. Ele
esbarra com questões de pedofilia, abuso sexual, homossexualidade e tem
de provar ser uma pessoa íntegra e idônea. Num período comprobatório,
ele precisa desarmar o grupo em relação aos estereótipos do feminino e
do masculino para ser incorporado”, avalia a especialista.