José Eustáquio Diniz Alves*
No dia 24 de fevereiro de 2012, o Brasil comemora os 80 anos do
direito de voto feminino. As mulheres passaram a ter o direito de voto
assegurado pelo Decreto nº 21.076, de 24/02/1932, assinado pelo
presidente Getúlio Vargas, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. Esta
conquista, porém, não foi gratuita.
A luta pelos direitos políticos das mulheres começou ainda no século XVIII. No início da Revolução Francesa, o Marquês de Condorcet – matemático, filósofo e iluminista – foi uma das primeiras vozes a defender o direito das mulheres. Nos debates da Assembleia Nacional, em 1790, ele protestou contra os políticos que excluíam as mulheres do direito ao voto universal, dizendo o seguinte: “Ou nenhum indivíduo da espécie humana tem verdadeiros direitos, ou todos têm os mesmos; e aquele que vota contra o direito do outro, seja qual for sua religião, cor ou sexo, desde logo abjurou os seus”.
As ondas revolucionárias francesas chegaram na Inglaterra e os escritores progressistas Mary Wollstonecraft – no livro A Vindication of the Rights of Woman (1792) – e William Godwin – no livro An Enquiry Concerning Political Justice (1793) – também defenderam os direitos das mulheres e a construção de uma sociedade democrática, justa, próspera e livre.
Mas a luta pelo direito de voto feminino só se tranformou no movimento sufragista após os escritos de Helen Taylor e John Stuart Mill. O grande economista inglês escreveu o livro The Subjection of Women (1861, e publicado em 1869) em que mostra que a subjugação legal das mulheres é uma discriminação, devendo ser substituída pela igualdade total de direitos.
Com base no pensamento destes escritores pioneiros, o movimento sufragista nasceu para estender o direito de voto (sufrágio) às mulheres. Em 1893, a Nova Zelândia se tornou o primeiro país a garantir o sufrágio feminino, graças ao movimento liderado por Kate Sheppard. Outro marco neste processo foi a fundação, em 1897, da “União Nacional pelo Sufrágio Feminino”, por Millicent Fawcett, na Inglaterra. Após o fim da Primeira Guerra Mundial, as mulheres conquistaram o direito de voto no Reino Unido, em 1918, e nos Estados Unidos, em 1919.
No Brasil, uma líder fundamental foi Bertha Maria Julia Lutz (1894-1976). Bertha Lutz conheceu os movimentos feministas da Europa e dos Estados Unidos nas primeiras décadas do século XX e foi uma das principais responsáveis pela organização do movimento sufragista no Brasil. Ajudou a criar, em 1919, a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, que foi o embrião da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, criada em 1922 (centenário da Independência do Brasil). Representou o Brasil na assembleia geral da Liga das Mulheres Eleitoras, realizada nos EUA, onde foi eleita vice-presidente da Sociedade Pan-Americana. Após a Revolução de 1930 e dez anos depois da criação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, o movimento sufragista conseguiu a grande vitória no dia 24/02/1932.
A primeira mulher eleita deputada federal foi Carlota Pereira de
Queirós (1892-1982), que tomou posse em 1934 e participou dos trabalhos
da Assembleia Nacional Constituinte. Com a implantação do Estado Novo,
em novembro de 1937, houve o fechamento do Legislativo brasileiro e
grande recuo das liberdades democráticas. Na retomada do processo de
democratização, em 1946, nenhuma mulher foi eleita para a Câmara. Até
1982, o número de mulheres eleitas para o Legislativo brasileiro poderia
ser contado nos dedos da mão.
Somente com o processo de redemocratização, da Nova República, o
número de mulheres começou a aumentar. Foram eleitas 26 deputadas
federais em 1986, 32 em 1994, 42 em 2002 e 45 deputadas em 2006 e 2010.
Mas este número representa apenas 9% dos 513 deputados da Câmara
Federal. No ranking internacional da Inter-Parliamentary Union (IPU), o
Brasil se encontra atualmente no 142º lugar. Em todo o continente
americano, o Brasil perde na participação feminina no Parlamento para
quase todos os países, empata com o Panamá e está à frente apenas do
Haiti e Belize. No mundo, o Brasil perde até para países como Iraque e
Afeganistão, além de estar a uma grande distância de outros países de
lingua portuguesa como Angola, Moçambique e Timor Leste.
Portanto, as mulheres brasileiras conquistaram o direito de voto
em 1932, mas ainda não conseguiram ser representadas adequadamente no
Poder Legislativo. Até 1998 as mulheres eram minoria do eleitorado. A
partir do ano 2000, passaram a ser maioria e, nas últimas eleições, em
2010, já superavam os homens em 5 milhões de pessoas aptas a votar. Este
superávit feminino tende a crescer nas próximas eleições. Contudo
existem dúvidas sobre a possibilidade de as mulheres conseguirem apoio
dos partidos para disputar as eleições em igualdade de condições.
Nas eleições de 2010, a grande novidade foi a eleição da primeira
mulher para a chefia da República. Neste aspecto, o Brasil deu um
grande salto na equidade de gênero, sendo uns dos 20 países do mundo que
possui mulher na chefia do Poder Executivo. Com a alternância de gênero
no Palácio do Planalto, o número de ministras cresceu e aumentou a
presença de mulheres na presidência de empresas e órgãos públicos, como
no IBGE e na Petrobrás.
Nos municípios, as mulheres são, atualmente, menos de 10% das
chefias das prefeituras. Nas Câmaras Municipais as mulheres são cerca de
12% dos vereadores. Mas, em 2012, quando se comemoram os 80 anos do
direito de voto feminino, haverá eleicões municipais. A Lei de Cotas
determina que os partidos inscrevam pelo menos 30% de candidatos de cada
sexo e dê apoio financeiro e espaço no programa eleitoral gratuito para
o sexo minoritário na disputa. Os estudos acadêmicos mostram que, se
houver igualdade de condições na concorrência eleitoral, a desigualdade
de gênero nas eleições municipais poderá ser reduzida.
As mulheres brasileiras já possuem nível de escolaridade maior do
que o dos homens, possuem maior esperança de vida e são maioria da
População Economicamente Ativa (PEA) com mais de 11 anos de estudo. Elas
já avançaram muito em termos sociais e não merecem esperar mais 80 anos
para conseguir igualdade na participação política.
Disponivel em http://www.clam.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=_BR&infoid=9225&sid=7
*José Eustáquio Diniz Alves é doutor em Demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE/IBGE)
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